Ele veio num dia como qualquer outro.
Quando chegou, trazia os trapos mais rotos.
No gosto, era doceamargo, diferente de tudo que eu tinha provado.
Se eu marchava sozinho, eram os seus passos que nos meus pisavam.
Se eu dormia, e o mundo me esquecia, seu sonho que o meu vigiava.
Eu não sabia dizer o que seus silêncios calavam,
o que o seu gesto ao meu acrescentava, como o copo à água.
Não sabia quem ele era, mas há muito o esperava.
Aos poucos, pôs vozes em todas as coisas
e deu aos caminhos mais que direção – desatino.
Penso agora perceber em tudo o que vejo
motivos incomensuráveis aos que dizem os sentidos.
Hoje sei que há sob o sol coisas que em tanto conhecermos
jamais se explicarão.
Um estampido de tropel correu o descampado.
Me abalei sem bridas para ter com os chegados.
Um corpo estribava um cavalo esbaforido:
era o mensageiro, eu me ouviria em outros lábios.
Levantei-lhe o capuz, e não tinha um rosto.
Retirei-lhe o manto, e estava morto.
Rasguei o chão, arranquei os pêlos da terra em desespero.
Era ele, o eterno encarnado no rubor humano, o enviado
demasiado tarde. E agora não havia mais como salvar-se.
Pensei: não há razões para este mundo.
Ou antes, deve tê-las. Não é difícil que as tenha.
Mas uma coisa é sabê-las. O pior, o terrível é,
as conhecendo, poder vivê-las.
Meus gemidos e lamentos amoleceram as próprias pedras.
Depois, voltei aonde era.
Desconheço seu paradeiro, imagino tenha buscado outro jardim,
onde, ao sol poente, o sal da terra, mais lúcido, reacende.
Hoje o reconheceria, se reaparecesse.
Mas isso são fábulas que conto
de mim para mim mesmo,
quando é noite madura ou quase dia,
e dormir não tem mais jeito.
Agora devo ir as mesmas estradas,
e voltar a calcar aos pés o vazio do mundo,
sem pensar aonde vou sendo levado
em meio à voragem das cidades e às alucinações dos homens.
E fingir serenidade por onde passe
como se a tarde não enlouquecesse
e as pedras não despertassem.
Dessa mensagem dependiam o ainda e o sobreainda.
Ficou para sempre perdida, e o caminho a percorrer,
privo de rumo, não tem mais fim.
Melhor seria não o tivesse jamais visto.
Não creio que um segundo morto a repita para mim.
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