O beijo é alheio ao corpo
que beija.
É vão buscá-lo na saliva que deixa,
na cicatriz imperscrutável.
O beijo foge,
e outra boca o colhe.
Deve restar à faca do instante ileso,
no contínuo do tempo que em vão compartimentamos
nos calendários de nosso invento,
em algum confim inatingível
da eternidade rápida e perecível
que é o tempo e o lugar do beijo.
Ali se banha adoçado
no sal dos suores,
pois embora estoure oco e áspero,
quando adeja no céu azul do palato,
a língua revela-se
veludo ao tato.
Por isso, sem ser gasto no atrito dos contatos,
o batom ficará no lábio incrustado
como um peircing, como um ácido.
Ficarão o pudor e o abraço,
ficarão as mãos ainda atadas,
a trava no gesto, o turvo na fala.
Ficarão os vincos na cama,
e o gozo no grito e na pele de quem ama.
O gosto do sorriso ficará e a febre rouca,
o beijo continuará gravado na boca,
uma tatuagem, um desesquecimento
na memória corpórea do momento.
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